quarta-feira, 8 de junho de 2011

Soneto de Carnaval

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranqüila ela sabe, e eu sei tranqüilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo



Vinícius de Moraes

domingo, 29 de maio de 2011

505

Essa é (só) uma daquelas madrugadas que deixam as pessoas revirando papéis no fundo do armário dentro d'uma caixa de sapatos por puro tédio - lê-se saudades do que não foi, mas que já se foi. Ou cadernos abandonados no escaninho do quarto dos fundos, aquele que a gente só lembra ora porque tem que pegar os sapatos todos os dias pela manhã, ora porque derrubou o resto de molho de tomate no chão limpo e aí precisa pegar o monte de trapos que um dia foram suas camisetas favoritas pra tentar limpar a porcaria que virou. Pior não é ficar ali, ajoelhado no chão gelado tirando todo aquele vermelho do assoalho. É levar tudo pro tanque, deixar na água quente, tirar de lá, passar sabão como se não houvesse amanhã e esfregar. Até o pano ficar como estava antes. Limpo, sem absolutamente nada além daquele monte de rasgos (me pergunto de vez em quando porque picas pessoas compram panos de chão.).
Imagina só, deixar tudo cair, quebrando vidros, sujando pisos, espalhando e arrastando toda essa bagunça por tempo indeterminado, daí simplesmente quando lhe for plausível pegar uns trapos velhos - mais um punhado de força de vontade, convenhamos - e usar ali. E de repente é como se nada nunca tivesse caído. Como se nada jamais tivesse sido estragado, quebrado. Estaria tudo novo e limpo, mais uma vez, pronto pra deixar a gente emporcalhar e destruir o-que-quer-que-seja de novo. E de novo, e eterna(não-tanto)mente.
Que é que tem isso com mar de retalhos-escritos dentro de um papelão? Talvez sejam os panos.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Pra não dizer que não falei das flores

Hoje ‘tava querendo mais uma dose daquele Old Eight e o resto dos meus cigarros amarrotados no meio do cachecol bordô – você sempre disse que era rosa, mas eu perguntei, sempre foi bordô – no fundo da mochila feita com pressa pro final de semana em algum lugar.
Precisava daquela lareira que eu nunca consegui acender. Tudo o que eu conseguia era derrubar os bibelôs alemães que as pessoas insistiam em deixar na mureta daquela porcaria. Em toda a casa era a mesma coisa, acabei desistindo de procurar.
Hoje era só questão de ver o pôr-do-sol, se tivesse sol, e deitar naquele monte de folhas acumuladas por semanas a fio. Aquelas que ficavam lá, acompanhando todas as horas antes de voltar pra essa rotina desgastante. Um caderno, uma caneta, e todas as coisas que eu nunca quis dizer. Aquele monte de palavras catalogadas, com mil e um sentidos, que vez em quando não fazem nenhum.

Hoje eu ‘tava mesmo querendo aquele uísque e os Malboros.

domingo, 24 de abril de 2011

Mais Amor, Por Favor

Alameda Santos, altura do nº. 2100 - Cerqueira César, SP


É inevitável passar por uma coisa dessas em pleno Cerqueira César e não parar. Pra olhar, pra sentir. Parar pra dar um sorriso e pensar. Em meio ao caos que é São Paulo, gente que tira tempo da vida provavelmente não menos caótica pra deixar uma mensagem, um pensamento pra gente que elas nem conhecem. Eu acho que são pessoas assim que a gente devia pedir todos os dias. E apreciar e respeitar todos os dias.

E essa frase me fez ficar refletindo o dia todo. “Mais amor, por favor”. Quatro palavras que juntas parecem fazer o mundo de sentido, né.

Assistam, também, que vale a pena: youtube.com/watch?v=icN-7ynO7Tg&feature=player_embedded

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Confissões de Um Liquidificador

Dá vontade de observar as pessoas como um leão observa um servo em campo aberto. Prestando atenção em cada passo, cada levantar de cabeça, cada respiração. Mas diferentemente de felinos selvagens que observam cautelosamente sua presa pra depois dilacerá-la sem dó nem piedade (entenda, não vejo com maus olhos, o leão é o que é), queria observar pra entender o porquê de elas mesmas se dilacerarem. Mínima, parcial ou inteiramente, por dentro ou por fora. Observar só pra saber o que faz todo mundo fazer o que bem entende, quando quer, com um foda-se bem grande pra tudo o que há ao redor, e aí pensar em mil e uma possibilidades de consertar. Que mania temos nós de acharmos que tudo tem conserto, né?
Passa um Superbonder, enrola um durex, uma fita isolante; pega linha e agulha, faz um remendo que ainda dá pra usar. Fala umas palavras, escreve umas coisas. Muda umas atitudes, compra umas flores, vai até lá. Pede umas desculpas, ninguém vai ligar, ainda dá pra usar.
Pessoas não são objetos, perdoar não é esquecer. Desculpas não fazem o tempo voltar, e palavras o vento leva. I'm guessing people should learn this stuff the way I did. Just sayin’.
Vez em quando ficamos nós aqui, quase sempre de madrugada – consequência das noites anteriores mal dormidas, às vezes da garrafa de vodka que revive aquelas lembranças alcoólicas – revirando páginas e páginas de Caio ou qualquer coisa que o valha. Vendo como não é só a gente que se sente assim, que não é só a gente que coloca tal coisa com tanta sinceridade no papel, ainda que às avessas. E vai se dando conta que mesmo assim não importa. Porque mesmo assim dói, incomoda, vem à tona. E dá aquela vontade de gritar. Vontade louca de espernear, sair na rua dizendo aquilo que a gente vem tentando evitar. Mas a gente sabe que não pode, não deve. Sabe que não vai adiantar, ainda que a gente acredite cegamente nisso. Ainda que a gente tenha fé, não vai resolver nossa vida.
Acho que é aí que você entra. E aí que eu entro também. Porque sabe, eu tenho a sensação que só a gente mesmo pra curar a dor uma da outra. Porque só de ver que você continua remando, me faz querer continuar remando também (eu disse que é sempre Caio.).
Então eu sei que a gente vai continuar com essa vontade de louca de gritar por aí. Sei também que às vezes a gente não vai aguentar, e uma vai ter que colocar o-que-quer-que-seja no bolso pra cuidar de outro-quer-que-seja da outra. Mas no final das contas e bem lá no fundo, acho que a gente sabe que é a única coisa que acaba valendo a pena.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

É só que não faz sentido alguém te cobrar o não-feito por ele mesmo. Quer dizer, como é que te cobram um sorriso chorando, ou fortitude (neologismo?) desabando? E são cobrados feitos, gestos, sentimentos, palavras. Ah, as palavras. São só isso mesmo: palavras. Cobradas na mais pura fúria e insensatez. Na rispidez do tudo em meio ao nada – quem sabe vice-versa. Quem quer tanto ouvir e não tem nada a dizer me parece um tanto quanto tosco. Tosco... por que diabos que todo mundo acha que isso é um xingamento mesmo?