segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Os Dragões Não Conhecem o Paraíso







"Um band-aid no coração,
Um sorriso nos lábios
E tudo bem."
(CFA)







“Desde a primeira vez que ouvi falar em Aids, quando vi na televisão o anúncio da morte do costureiro Markito, em 1983, percebi que tinha a ver comigo. Na época, a Aids dava exclusivamente em homossexuais e era conhecida como câncer gay. Era ainda uma novidade muito grande. No meu arquivo de memórias, as lembranças da Aids são muito boas. O cantor e compositor Cazuza, tão digno até morrer. Tantos outros que encararam com dignidade a doença.
Queria fazer o teste de HIV, mas morria de medo. Se fosse positivo, tinha medo de morrer logo – sou fácil de sugestionar: estes dias, só de ler nos jornais, estava com os sintomas do Ebola. Ao saber do resultado positivo, enlouqueci, queria me jogar pela janela. Meus amigos ficaram muito assustados e me levaram para o hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Com o resultado, fiquei com uma sensação de alívio. Nunca tive vergonha ou neguei. Esta doença é a minha cara. Tem tudo a ver, eu sempre fui tão contemporâneo, sempre estive à frente de tanta coisa. Não podia mesmo morrer de outro jeito. Cosmicamente está certo. Em nenhum momento fiquei me culpando ou perguntando a Deus “Por que comigo, ó Senhor? Que desgraça!”.

Depoimento a Fátima Torri - Revista Marie Claire - Set 1995

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Hoje, dia 12 de setembro de 2011, faria 63 anos. Aos 48, já não era mais possível olhar nos olhos e parabenizar por mais um ano. É um tanto quanto – com o perdão da palavra – desagradável chegar o décimo segundo dia e a gente hesitar em sorrir, olhar pro céu e dizer parabéns. Mas é só por uns segundos, depois passa.
É uma opinião extremamente pessoal essa, de que o mundo perdeu uma das pessoas mais “coração” que já passaram por aqui. Há quem discorde, obviamente; quem não conhece e não entende a essência das suas Pequenas Epifanias.
Mas agora, apesar de tudo, não é hora de se falar em perdas, só em ganhos. Eu falo por mim, por tudo que os seus contos, romances, suas peças, entrevistas me proporcionaram. E de todas as vezes que uma parte da sua vida se encaixou na minha. E de como uso e re-uso o que é seu pra falar de mim, pra falar de alguém, do nada, do dia, do Sol, de tudo. É como se parte de você sempre estivesse presente, falando pra gente não parar de remar, porque a gente remando te faz querer remar também.
Pesa muito, no coração, na mente e na alma, não ter tido a oportunidade de te conhecer tão bem quanto eu queria. Coisas que a gente só pode especular a partir de textos, que eu queria tanto saber, quem sabe um dia vindo de você, mesmo. Me espelho em você mais de metade das vezes, pra ter um milésimo da sua força de vontade, um pedaço de toda a sua coragem. Enfim.
Que você fique sempre bem, onde quer que você esteja. Sorrindo, amando, como foi a vida inteira. Que a gente possa sempre te sentir presente e ter o presente que você sempre foi.

Parabéns pelo seu 63º aniversário, Caio Fernando de Abreu.