Hoje o dia está bonito. Tá aquele azul de fim de inverno, não tão frio, como quem diz que logo as flores estão de volta e o sol volta a sorrir mais. As folhas dançam de leve uma valsa com compasso singular. Cheiro de café recém-coado, pão de queijo e um blsuão listrado. São três da tarde e a gente ouve – mesmo que entre carros e pessoas – em pleno centro de São Paulo, o canto dos sabiás.
De uma escultura no Largo São Bento, vejo a beleza escondida por trás da cidade cinza. Um menino desenhando. Não dá pra ver bem o que é. Continuo olhando mesmo assim, na esperança de entender alguma coisa, com a curiosidade de uma criança de cinco anos. O menino vem um pouco mais perto, agora é possível distinguir todos os traços. É uma pessoa. Uma mulher. Mais ao sul, dois cachorros brincando com crianças. Um braço mais pra esquerda, mas não é da mulher com o saiote. A cabeça do desenhista ainda tampa metade do desenho. Aguardo pacientemente até ele colocar o desenho de lado e abrir a pasta para guardá-lo. O braço era de um homem, acolhendo carinhosamente a mulher. Ambos sorriem.
Percebo então a semelhança com o Largo. Uma família moradora do coração da cidade. A mulher sentada nas pedras com o marido, almoçando algo provavelmente vindo daqueles botecos do centro, aqueles restos. Os cães, meio sarnentos, as crianças magras e sujas. Entristeço-me por um minuto, até que olho para a mãe de novo. Ela abraça o marido, e sorri. Apesar de tudo, ela sorri, penso, e não me sinto mais no direito de sentir pena.
Assim como eu, hoje ela pensa que o dia está bonito. Que está aquele azul de fim de inverno, não tão frio, como quem diz que logo as flores estão de volta e o sol volta a sorrir mais. Como eu, apesar de seus pesares, ela vive a utopia de um dia ideal. E não há nada nesse mundo que, nesse momento, seja capaz de roubar sua satisfação.