sábado, 23 de outubro de 2010

Encontro

No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo delicioso de se sentir que escorregava de dentro da gente e se esparramava no sorriso. Escapulia no olhar. Cantava no silêncio. Dispensava nomes e entendimentos. Havia algo que tinha um cheiro inconfundível de alegria. De vida abraçada. De chuva quando beija a aridez. De lua quando é cheia e o céu diz estrelas. Um cheiro da paz risonha do encontro que é bom.

Havia algo maravilhoso para ser dado e recebido, daqueles presentes que a vida embrulha com os seus papéis mais bonitos e entrega toda contente. Havia algo para ser trocado, e troca é quando duas vidas se sentem olhadas ao mesmo tempo. Havia algo que fazia um coração falar com o outro, ouvir o que era dito, gostar do que era dito, rir com o que era dito, sentir-se espelhado, sentir-se enternecido, querer brincar, muito além do que qualquer palavra, por qualquer motivo. Uma vontade de parar todos os relógios do mundo para eternizar a dádiva da presença compartilhada, e a impressão de que às vezes até conseguíamos.

Havia algo que escapava, ileso, dos artifícios todos, todos tolos, que a razão arranjava para não deixar o amor fluir com a beleza dele, o chamado dele, a natureza dele. Pode ser que a gente sinta tanto receio e se proteja tanto que nem consiga vivê-lo em sua plenitude. Mas que ele escoa, escoa. Esparrama no sorriso. Escapole no olhar. Canta no silêncio. Diz.

Havia algo que não podia ser negado, preterido, amordaçado. Algo que inaugura primavera, tanto faz se é inverno. Algo raro e precioso. Que é perfeito, ao mesmo tempo que consegue incluir todas as imperfeições. Que é lindo, ao mesmo tempo que consegue integrar as esquisitices todas que gente também tem. Havia amor e, de um jeito ou de outro, sabíamos sem nos dizer, havia chegado pra ficar.

O amor quando é amor, é amor.
(Ana Jácomo)